Aprendizados da gestão de times à distância

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O trabalho remoto e o home office não são nenhuma novidade. De acordo com algumas pesquisas realizadas pela Hays e pela SOBRATT (Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades), entre 35% a 45% das empresas brasileiras entrevistadas já adotavam alguma política de trabalho remoto em 2018. Porém, sem dúvidas, é uma tendência de futuro que foi acelerada por conta da propagação da atual pandemia do COVID-19. 

Quarentena e a adoção do trabalho remoto: uma mudança de paradigma

Durante a quarentena, muitos negócios que não tinham a cultura do trabalho remoto, principalmente os que estão fora do eixo de tecnologia e informática, se viram na necessidade de adaptar de forma rápida seu modelo de trabalho para continuarem produzindo. Em março de 2020, quase metade das empresas já haviam adotado o home office e, muito provavelmente, isso deve provocar uma grande mudança nas culturas organizacionais daqui pra frente. Estima-se que, após a pandemia, o trabalho remoto deverá ter um crescimento de 30%. Afinal, são inúmeros os benefícios que esse tipo de trabalho traz para a empresa e para o colaborador, como a flexibilidade de horário, qualidade de vida e redução de custos para a empresa.

Gestão de times à distância: um desafio

Sem a experiência de ter suas equipes trabalhando remotamente, muitos gestores vêem o gerenciamento remoto dos times como um dos maiores desafios desse modelo. São várias as perguntas: como fazer com que as equipes estejam alinhadas e motivadas da mesma forma em todos os lugares? Como conseguir fazer a gestão de times virtuais? Como garantir que a comunicação entre os membros seja sempre transparente e constante?

Aprendizados desse desafio: O que aprendemos com a experiência de gerir uma equipe de forma remota?

Todo desafio traz uma série de aprendizados. Aqui na Hu., também passamos a trabalhar remotamente devido a quarentena e, à partir disso, Bárbara Formiga, CEO e Co-fundadora da Hu., compartilha com a gente um pouquinho sobre sua experiência e os aprendizados na gestão à distância nesse cenário.

1 – De forma geral, como tem sido o processo de aprendizado e adaptação ao trabalho remoto (seu e da equipe)? Quais foram os principais erros e acertos e, no caso dos erros, como você fez para ajustá-los?

O primeiro e maior aprendizado neste cenário pandêmico é o de que muitas coisas que já iriam mudar, tiveram e vão continuar tendo que mudar mais rápido. Não falo aqui de mudanças pequenas que possam ser temporárias, mas de mudanças sistêmicas, aquelas que mudam o funcionamento de um sistema em sua totalidade.Não dá pra falar de trabalho remoto sem falar no cenário dos negócios como um todo. Estamos tendo que rever o funcionamento dos negócios e, consequentemente, como iremos trabalhar nestes contextos redesenhados.

Nos negócios onde a tecnologia é imprescindível, que é o nosso caso, a adaptação ao trabalho remoto pode parecer mais fácil, porém, estar de fato nesta situação nos faz olhar por um outro ângulo e viver outras experiências. A adoção ao trabalho remoto foi impositiva, e não existe uma fórmula pronta de como lidar com ele. O que existe, no entanto é o espaço para não só questionarmos algo que tínhamos como certo, mas para testarmos algumas premissas para continuarmos alcançando nossos objetivos e que reflitam o que sentimos ser melhor para nós.

No primeiro momento, coube a cada um tentar identificar de que maneira poderia lidar melhor com uma rotina diferente. Quem tem filho precisa dividir os cuidados com o cônjuge, quem não tinha um escritório em casa precisou criar um ambiente de trabalho, quem não tinha uma internet boa teve que buscar outra alternativa. Houve também quem não conseguiu lidar bem psicologicamente com o distanciamento físico e demorou um pouco mais de tempo para se estabilizar. Isso ressalta a necessidade de olharmos não só para as necessidades de clientes mas as do time, seus anseios e inseguranças.Para mim, pessoalmente, apesar de não ter sido difícil a adaptação ao home office, precisei de um tempo para tentar entender como cada um estava lidando com seus cenários pessoais e poder deixar todos alinhados no mesmo propósito. O exercício da empatia foi essencial. O fato de já nos conhecermos bem e já usarmos metodologias ágeis facilitou bastante o processo, mas foram necessários alguns ajustes. O tempo das sprints (ciclos de planejamento), por exemplo, antes com 15 dias, foi reduzido para 1 semana. A mudança foi importante não apenas pelo momento de maturidade do que estamos desenvolvendo agora, mas para nos ajudar a lidar melhor com o distanciamento, mantendo-nos próximos com uma frequência regular. Conseguimos também manter nossos encontros de revisão e planejamento das atividades além das reuniões diárias. Em alguns casos, foi preciso ter conversas individuais e inserir outros rituais como o pré planejamento de áreas especificas.Por fim, implementamos o happy hour virtual toda última sexta do mês que é pra gente ter os momentos de falar besteira também. hehe

2- Quais têm sido as principais diferenças de gerir um time presencial e remoto? Como você tem gerenciado e alinhado a comunicação da equipe?

Um time presencialmente próximo consegue ler um pouco melhor como está o humor e a produtividade dos outros. É fácil esconder quando se está falando através de uma tela em momentos agendados. O fato de sermos um time pequeno, unidos e já nos conhecermos relativamente bem facilita o processo, mas não deixa de demandar uma atenção redobrada para estar próxima de todos e conseguir fazer com que cada um esteja conseguindo achar sua própria maneira de ser produtivo.

Algumas pessoas, tem conseguido trabalhar mais em casa e ser mais produtivos e outras não. Ainda estamos experimentando o que vai funcionar, mas manter alguns pontos de rotina ajuda. Por exemplo, não sei que horas cada um começa a trabalhar, contanto que todos estejam presentes na nossa reunião diária às 14h. Esse é um horário em que, quem começa mais tarde já está trabalhando e quem começa cedo ainda não concluiu suas atividades do dia.A gerência das atividades tem se mantido de certa forma semelhante ao que já fazíamos. Planejamos juntos, dimensionamos o tamanho e esforço das atividades, o quanto cada um tem capacidade de produzir naquela semana e vamos nos alinhando diariamente. Além dos encontros, ferramentas de gestão de atividades, chats, repositório de documentos, etc. são uma ótima maneira de deixarmos todos alinhados no que está sendo feito e de fazermos entregas de uma área para outra.

3 – Na sua visão, quais são as maiores vantagens, desvantagens e dificuldades desse modelo de trabalho?

A maior vantagem que enxergo nesse modelo de trabalho é o fato de que as pessoas não precisam mais se encaixar num modelo industrial de trabalho onde existe horário de chegada e de saída determinados e, em alguns casos, contra produtivo. É claro que algumas funções exigem horários fixos, mas em vários outros, o mais importante é estarmos sendo produtivos e nos sentindo relevantes. Trabalhando em casa, as pessoas podem ter maior flexibilidade não só no número de horas que se dedica ao trabalho como em que horas do dia fará isso. De certa forma, o home office oferece equidade à dinâmica dos profissionais. Quem tem filho, por exemplo, pode preferir trabalhar nos horários em que os filhos dormem ou estão assistindo aula. Quem mora com muitas pessoas pode optar por trabalhar no silencio da noite.

Essa flexibilidade permite que as pessoas possam dedicar tempo a outras atividades imprescindíveis como se alimentar e dormir bem, fazer atividade física, cuidar da saúde mental, manter contato com amigos e família, por exemplo. Algumas pessoas, tem, inclusive, desenvolvido novos hobbies e habilidades com o tempo que, antes, era gasto no trânsito, por exemplo.É claro que existem poréns. Um líder nessa situação precisa não só manter alguns pontos de controle, como reuniões diárias e acompanhamento das atividades, mas, em alguns casos, redesenhar processos e ter que fazer até um pouco de micro gerenciamento.

O profissional que está em home office, por sua vez, precisa desenvolver a auto liderança e determinar sua própria rotina e seu fluxo de trabalho, além de precisar se comprometer com suas atividades e continuar buscando ir além. Quanto mais liberdade é dada, mais comprometimento é exigido.No caso dos que são ultra comprometidos, é necessário que o trabalho passe a não prejudicar as outras necessidades que têm como pessoa. A quantidade gigantesca de informações às quais estamos expostos, os novos grupos, novas maneiras de compartilhamento de informação podem nos deixar sobrecarregados e, em algum ponto, doentes e improdutivos. O desafio está em desenhar seu equilíbrio.

Isso tudo, no entanto, só pode funcionar se todos tiverem acesso a uma infraestrutura básica de internet, computadores, ferramentas de trabalho, etc. Os recursos são tão necessários quanto os agentes de mudança.

4- Quais são as ferramentas e metodologias que estão auxiliando nesse processo e que você recomendaria para outras pessoas?

Nós já somos um time multidisciplinar com uma mentalidade voltada para a agilidade, ou seja, já temos uma vantagem inicial de adaptação. Usamos um mix de scrum e kanban que vai sendo alterado à medida que vamos amadurecendo nos projetos. O ideal é escolher uma metodologia que faça sentido para o tipo de atividade desenvolvida e esteja coerente com a maturidade do time e/ou do projeto. Como disse anteriormente, temos canais “oficiais” de compartilhamento de informações que fazem com que falemos sempre na mesma língua.

Para comunicação corriqueira, usamos ferramentas de chat [que pode ser whatsapp mas o ideal é que se tenha um outro canal que seja dedicado apenas para questões de trabalho. No nosso caso, usamos o google chat]. Dependendo do formato do seu time e das atividades principais, existem diversas outras como o Slack, Teams, etc. O importante é ter um canal rápido e dedicado, o que facilita o foco quando não queremos nos distrair com mensagens de outra natureza.

Para a controle das atividades, usamos o Asana, mas o Jira também é bem legal. Ferramentas como essas nos permitem não só aplicarmos o scrum e o kanban, mas também analisar o tempo dispensado nas atividades, identificar padrões, gargalos e ter insights de sobre como melhorar nosso funcionamento como time. Se seu time tem atividades mais contínuas e o kanban supre suas necessidades, opções como o Trello também são interessantes.

Pra dimensionar o tamanho das atividades nas reuniões de planejamento, usamos o Plan it Poker, que passou a ser necessário quando passamos para reuniões virtuais.

É importante também ter um repositório de documentos comum para ter controle de versões mais assertivo, para facilitar o repasse de atividades de uma área para a outra, permitir consultas a documentos criados por outras pessoas e evitar retrabalho ou desalinhamento de informações. Nós usamos o Google Drive, no entanto, são diversas as opções, como o próprio Dropbox ou, em casos de empresas maiores e mais complexas, plataformas de intranet e DXPs [adobe experience cloud, liferay] mais robustas e com possibilidades mais amplas de desenho de processos e de uma jornada de experiência mais fluida.

5- Como líder, quais habilidades você considera como essenciais para uma gestão à distância otimizada?

Antes de mais nada, um líder precisa ser capaz de liderar a si próprio. Parece simples, mas se não mantivermos uma mentalidade de crescimento, não seremos capazes de lidar com situações inesperadas como as que estamos vivendo. O que caracteriza essa mentalidade é disposição em abraçar os desafios e encarar falhas como aprendizado, enfrentar os problemas com entusiasmo, buscar aprendizados para superar limitações, acreditar no desenvolvimento da inteligência e das habilidades e por fim, ver o esforço como caminho para a excelência.Independente de sermos líderes ou não, é importante que sejamos cada vez melhores profissionais. O World Economic Forum de 2017 gerou um relatório com as Top 10 habilidades profissionais que todos precisam desenvolver para que consigam prosperar em tempos atuais:

1. Soluções de Problemas Complexos
2. Pensamento Crítico
3. Criatividade
4. Gestão de Pessoas
5. Empatia com os outros
6. Inteligência emocional
7. Bom senso e tomada de decisão
8. Orientação para serviços
9. Negociação
10. Flexibilidade cognitiva

Se essas habilidades já eram necessárias em 2017, em 2020 elas são quase que um caminho obrigatório a ser percorrido.

6- Como você enxerga o futuro do trabalho, principalmente após a pandemia da COVID-19? Acredita que as empresas passarão a adotar com mais intensidade o trabalho remoto?

Crises ressaltam necessidades e antecipam o futuro, mas projeções de futuro sempre trabalham com mais de uma possibilidade. Precisamos analisar as variáveis. Eu enxergo que o futuro, não apenas do trabalho, mas das relações humanas podem seguir caminhos diversos e ainda é cedo para dizer o que vai permanecer e o que vai mudar num novo normal.

Em meio a muitas mudanças, é importante identificar o parâmetro máster, aquele que não vai mudar. Nesse caso, o ser humano serve como constante. As pessoas que têm mentalidade de crescimento irão se adaptar mais facilmente aos modelos resultantes desse período. Os de mentalidade fixa talvez não consigam. Alguns valores e prioridades serão impactados, mas, de forma permanente, apenas alguns deles. É natural que o ser humano se adapte novamente e que alguns comportamentos voltem ao que era antes passado algum tempo. Outros, aqueles que provocam mudanças sistêmicas, permanecerão. De fato, muito do preconceito em relação ao home office será quebrado. No entanto, o anseio pelo contato físico deve permanecer.

Eu acredito num modelo híbrido, onde o trabalho à distância seja possível, porém com processos bem desenhados e com alguns momentos de interação física, seja de uma a duas vezes na semana, ou um período por dia, ou como a dinâmica do grupo perceber como melhor. Ao líder, cabe a responsabilidade de dosar o que se quer manter assim que entrarmos no “novo normal”, independente de qual ele seja. A hora é de analisar hipóteses, criar novos métodos de trabalho, tomar decisões diárias, testar, testar e testar. É a soma de nossas ações e decisões diárias que irá modelar o futuro do trabalho.

A pandemia está sendo uma oportunidade de nos permitirmos experimentar novas possibilidades e desenharmos e acelerarmos a chegada do futuro que queremos.


E você? Quais são as maiores vantagens e desvantagens que enxerga em trabalhar ou gerir um time de forma remota? Conta pra gente aqui nos comentários!

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